Só acontece uma vez: Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 é marcado por homenagens na UFRN

por , publicado em 27.jul.22

Evento organizado pelo Núcleo de Arte e Cultura e pela Pró-Reitoria de Extensão prevê atividades criativas de junho até novembro. Entenda como surgiu e qual a importância deste marco histórico.

Por Aryela Souza e Raylena Evelyn do Nascimento

Folder da programação para o Centenário na UFRN.

Em fevereiro de 2022 completaram-se os 100 anos da Semana de Arte Moderna, o evento de arte que ficou conhecido como um dos maiores acontecimentos da história artística brasileira. A Semana de Arte Moderna foi uma manifestação artístico-cultural que ocorreu no Teatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922.

O evento, que ao longo dos séculos ficou conhecido como o principal acontecimento de arte da história do Brasil contemporâneo, reuniu diversas apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição de obras, pinturas, esculturas e palestras para mostrar as novas tendências artísticas que já vigoravam na Europa, mas com o objetivo de explorar a cultura brasileira e, acima de tudo, valorizar o território nacional como berço de inspiração cultural.

A Semana de Arte Moderna foi também o evento que deu visibilidade e oficializou uma das escolas literárias mais inovadoras e importantes da história da literatura brasileira – o modernismo.

Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural / Capa do programa da Semana de Arte Moderna de 22, autoria de Di Cavalcanti. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural

Contexto Histórico

Até o início do século XX, predominava no Brasil o Parnasianismo, uma escola artística e literária que pregava o retorno aos ideais clássicos: o apreço pelo rigor formal, a proposta da “arte pela arte”, o academicismo e a elevada erudição. Em virtude disto, alcançou o prestígio entre os leitores, principalmente os da elite, influenciados por uma estética europeia mais formal e conservadora. 

Tendo em vista este período de experimentação, os intelectuais brasileiros precisaram então abandonar valores estéticos antigos para dar lugar a um novo estilo, completamente contrário, cujo destino ainda era incerto na época. 

Assim, os artistas envolvidos na Semana de Arte Moderna de 1922 dispuseram-se a oferecer uma nova visão de arte para o público: uma estética inovadora inspirada nas próprias vanguardas europeias, que possibilitava trabalhar com novas linguagens, materiais e propostas, a fim de repaginar a arte nacional e romper com o academicismo, iniciando o movimento conhecido como Modernismo brasileiro.

Anúncio da última apresentação da Semana de Arte Moderna de 1922, comandada pelos espetáculos musicais de Heitor Villa-Lobos.

Modernismo

As primeiras manifestações modernistas ocorreram no estado de São Paulo em 1910. Contudo, o movimento passou a ganhar força e visibilidade fora da capital paulista somente a partir de 1922. A ampla divulgação dos ideais modernistas deveu-se, em grande parte, à Semana de Arte Moderna.

O intuito dos artistas era chocar a população e introduzir outras maneiras de sentir, ver e desfrutar da arte. A partir daquele momento, os intelectuais brasileiros rompem definitivamente com a hegemonia cultural européia para propor o abrasileiramento das artes plásticas, da música e da literatura, buscando representação e iniciando a construção de uma identidade própria.

Semana da Arte Moderna: a comemoração de um Centenário

Características do Modernismo e seus artistas. 

O Brasil precisava de um novo olhar artístico, sociocultural e filosófico. Um olhar que propusesse uma arte nacional original e atualizada, trazendo referências tanto aos problemas do país como à variedade cultural que se estendia pelo território. 

A cidade de São Paulo, um dos principais eixos de giro financeiro, foi a escolhida para sediar o evento que marcaria a história artística do Brasil pelas próximas décadas e contou com o patrocínio de diversos membros da alta sociedade. 

A época parecia apropriada, já que era, também, o ano que marcou o Centenário da Independência do País, o que colaborou para a intensificação do enaltecimento nacionalista durante a Semana de Arte Moderna. Era o “redescobrimento” de um Brasil que, na época, há somente 34 anos atrás tinha abolido a escravidão, e participado 4 anos antes da Primeira Guerra Mundial. 

Agregado à construção de uma nacionalidade, percebe-se também a valorização do regionalismo, devido a diversidade cultural expressa nas manifestações artísticas e literárias do evento. O Brasil, sendo uma nação de tamanho continental, sempre apresentou vários tipos de manifestações artísticas, festas, danças, músicas e outros tipos de expressões culturais que vieram a ser fonte constituinte desse ideal de nacionalidade tão almejado.

Entre os organizadores da Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira formaram a célebre tríade modernista. Eles foram considerados os principais representantes e divulgadores do Modernismo no Brasil e, graças a eles, a estética modernista ganhou adesão de outros importantes escritores, conseguindo, assim, se solidificar e influenciar as gerações futuras.

O Nordeste na Semana de Arte Moderna de 1922

Apesar de estarem vivendo uma época de conservadorismo e tendências estrangeiras, três personagens se destacaram representando o povo nordestino e contribuindo para que os outros estados conhecessem a diversidade cultural da região.

Vicente do Rego Monteiro (pintor)

Vicente do Rego Monteiro | Créditos: Artrio.

Nascido na cidade de Recife em 1899, Vicente do Rego Monteiro conviveu com a arte, especialmente a pintura, desde cedo; já que sua irmã mais velha, Fédora, tinha aulas particulares, influenciada pelos pais. 

A aposta inicialmente não trouxe resultados, então a família decidiu se mudar para Paris, onde Fédora iniciou seus estudos na Escola de Belas Artes. Nessa época, Vicente, com apenas oito anos, começou a pintar suas primeiras aquarelas e, desde então, continuou a progredir grandemente, tendo seu trabalho exposto em museus nacionais e internacionais. 

Contudo, a pintura não era sua única paixão; o artista logo se aventuraria na escultura e na poesia.

Em 1920, já apresentava uma arte futurista, repleta de críticas sociais que o trouxeram até a corrente de pintores modernistas de São Paulo, como Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Durante sua estadia no Brasil, tornou-se também amigo do poeta Ronald de Carvalho, que se encantou pelo espetáculo “Lendas, Crenças e Talismãs dos Índios do Amazonas” e ficou a cargo de guardar algumas de suas obras para que pudessem ser expostas na Semana de Arte Moderna enquanto Vicente estivesse em Paris. Carvalho contribuiu ao todo com dez trabalhos do pintor, cuja importância no meio artístico é inestimável até os dias de hoje.

“Pastor” (óleo sobre tela) | Créditos: Jornal Feira Hoje.

Graça Aranha (escritor)

Antes de comentar a participação de Graça Aranha no evento, é essencial destacar que o artista já fazia história desde 1897, quando tornou-se um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL) sem ter qualquer obra publicada na época, o primeiro a conseguir realizar tal feito. 

José Pereira da Graça Aranha nasceu em 1868 na cidade de São Luís, no Maranhão. Formou-se em Direito e chegou a exercer o cargo de juiz nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, porém, descobriu-se romancista em 1902, ao escrever Canaã, obra que permaneceria relevante até os dias de hoje devido à sua abordagem sobre o racismo, o preconceito e a imigração. 

Trabalhou também como diplomata, viajando para diversas partes do mundo, o que acabou levando-o a ter a maior epifania de sua carreira, que o impulsionou a organizar a Semana de Arte Moderna e romper com os paradigmas que costumava defender na ABL. Graça Aranha não temia dar voz aos seus pensamentos e era fiel aos seus princípios, não hesitando em assumir um erro quando assim fosse necessário. Um exemplo disso foi quando, em uma conferência intitulada O Espírito Moderno, para o espanto de todos ali presentes, esbravejou: “A Academia Brasileira morreu para mim.”

Elysio de Carvalho (escritor)

Diferente dos intelectuais anteriores, Elysio de Carvalho não conseguiu se dedicar somente a dois ou três campos de atuação; ao invés disso, foi jornalista, poeta, historiador, técnico de identificação, tradutor e professor, estando sempre envolvido com o meio literário. 

Elysio nasceu na cidade de Penedo, Alagoas, em 1880. Desde jovem, já tinha pensamentos controversos, digno de dúvidas até mesmo para aqueles que procuram aprender mais sobre sua figura mesmo depois de tantos anos de sua morte. 

O escritor tinha grande influência em revistas internacionais devido a sua ideologia anarquista, contudo, quando subitamente resolveu tomar a abrupta decisão de se debandar para o lado conservador, apoiando a polícia que antes via apenas como repressão ao seu povo por parte do Estado, causou grande confusão. Desse momento em diante, Elysio dedicou sua vida a criticar, principalmente, o modelo de vida brasileiro, baseado no que havia visto em outros países, e a entender a criminalização de lugares como o Rio de Janeiro.

É deste modo que logo passa a se dedicar a temas mais amplos, mantendo o foco na sociedade brasileira e acabando por se interessar na proposta da valorização do nacionalismo, o que o levou a debater com os mais variados artistas que viriam a integrar a Semana de Arte Moderna de 1922. 

UFRN: 22 em 22

Capa do folder da programação do evento.

Promovido pelo Núcleo de Arte e Cultura (NAC) e pela Pró-Reitoria de Extensão (PROEX), em parceria com o Departamento de Artes (DEART), a Escola de Música (EMUFRN) e a Editoria da Universidade (EDUFRN), o evento 22 em 22 conta com a participação de docentes e discentes para homenagear o marco histórico que até hoje gera questões e discussões relevantes no campo da arte. 

O objetivo dos organizadores é criar um espaço livre para os que queiram refletir sobre os desdobramentos da Semana de Arte Moderna de 1922 e comemorar o Centenário com uma programação rica e repleta de opções para o público tanto de dentro como de fora da UFRN. 

O evento, que começou no início de junho, já teve grandes atrações em sua abertura, como a apresentação musical em tributo a Villa-Lobos, organizada pela Escola de Música; a exposição “+100 = 22 / Quantos Patos na Lagoa?”, que teve como curador o artista paulista Renato de Cara; e o lançamento de “O Boi Careta e a Morte do Cavalo Baio” de Newton Navarro, livro que reúne sete contos do autor e foi lançado também em referência aos 60 anos da EDUFRN. 

A homenagem sinfônica foi seguida de uma palestra sobre o Modernismo no Rio Grande do Norte e contou com a presença do reitor da UFRN, José Daniel Diniz Melo, que aproveitou o momento para demonstrar seu apoio à iniciativa e convidar os estudantes para participar da programação. 

Vale ressaltar que a exposição “+100 = 22 / Quantos Patos na Lagoa?” está fazendo sua primeira tour pela cidade de Natal. A mostra esteve em exibição em São Paulo, de janeiro a fevereiro, durante a programação da celebração paulista. 

A intenção é reproduzir o que foi feito em 1922, reunindo artistas de diversos campos e regiões, unidos em prol do mesmo propósito: a valorização da cultura nacional. Tratam-se de fotografias, pinturas, livros e outras formas de expressão artísticas. A exposição conta com doze artistas, dentre os quais estão os cearenses Arivânio Alves e Charles Lessa, o pernambucano Armando Queiroz, os paraenses Emídio Contente e Mariano Klautau Filho e a artista visual, professora e coordenadora do DEART, Regina Johas. 

Por fim, vale lembrar que, apesar de estarmos falando em atividades criativas que já aconteceram, ainda há muito para se desfrutar na programação do Centenário, cujo encerramento está previsto para o mês de novembro. Estudantes e visitantes sintam-se à vontade para conhecer mais do evento e desfrutar da programação especial preparada. Para mais informações, basta acessar o folder com as datas, horários e descrições das atividades que ainda serão realizadas e se inscrever via SIGAA ou presencialmente no local indicado para a atividade escolhida.

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