Atitude adotiva e desafios diários: conheça o Acalanto Natal
Histórico, dia-a-dia e as dificuldades pós-pandemia do grupo de apoio à adoção que já atua há quase 30 anos na capital.
Por Aryela Souza e Raylena Evelyn do Nascimento
O Projeto Acalanto Natal é uma Organização da Sociedade Civil, na modalidade de Grupo de Apoio à Adoção, sem fins lucrativos, e que atua há quase 30 anos em Natal, no Rio Grande do Norte.
Organizações da Sociedade Civil são instituições que desenvolvem projetos sociais com finalidade pública, sem visar o lucro, e que na prática significam a mesma coisa que Organização Não Governamental (ONG).
Enquanto uma sociedade assistencial, o Projeto Acalanto faz um trabalho voluntário de esclarecimento, estímulo e encaminhamento à adoção de crianças e adolescentes, atuando junto às famílias adotantes, simpatizantes ou pretendentes à adoção.
O Acalanto promove reuniões periódicas de orientações e troca de experiências, onde são abordados diversos temas do interesse dos participantes por meio de palestras e eventos para esclarecer a sociedade e debater sobre a adoção. Ele também auxilia gestantes, crianças e adolescentes em situação de abandono, operando através da colaboração de sócios e voluntários em articulação com o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Além disso, o projeto ainda opera em colaboração com os demais grupos de apoio à adoção do Brasil, contribuindo com o desenvolvimento e com a formação de famílias, e ajudando com a disseminação de uma nova cultura e uma nova prática de adoção na sociedade.
Mas a história do Projeto Acalanto em si não começa aqui, no Rio Grande do Norte, e sim, em São Paulo.
Associação Acalanto
A ideia do Acalanto surgiu em meados dos anos 60, quando Antônio e Wanda Pereira dos Santos decidiram realizar uma adoção inter-racial, fato pouco comum para a época.
A atitude de Antônio e Wanda, hoje pais de 8 filhos (sendo 4 deles adotados), que vivenciaram a adoção de forma plena, transformou aquela família e contribuiu para que a maioria de seus filhos também incluíssem a adoção em seu planejamento familiar.
Wanda e Antônio foram pioneiros no campo da adoção. E essa grande corrente de amor abriu outras possibilidades de trabalho.
Em 1990, a convite do psicólogo Fernando Freire, formou-se um grupo que visava à capacitação dos pretendentes à adoção para que nosso país pudesse vivenciar uma nova prática de adoção voltada para as crianças e adolescentes disponíveis aqui, no Brasil. Na época, até então, os dados indicavam que existia a predileção por crianças vindas de fora, ou seja, pela adoção internacional.
Após muitas reuniões, em 1993 nasce o Projeto Acalanto, hoje conhecido como Associação Acalanto, com a missão de prevenir o abandono de crianças e adolescentes, atuando junto às famílias em situação de vulnerabilidade social, e com o propósito de preparar as famílias pretendentes à adoção para garantir um acolhimento consciente em benefício do adotado e em prol do melhor interesse para a criança.
E assim o trabalho foi ganhando diversos adeptos ao longo dos anos, alguns desses adeptos fizeram surgir o Projeto Acalanto Natal.
O Projeto Acalanto Natal surgiu inspirado no Projeto Acalanto São Paulo.
Em 1996, o Dr. Marcos Antônio, filho adotivo de Antônio e Wanda, e um dos fundadores do Projeto Acalanto São Paulo, esteve em Natal fazendo palestras e divulgando o trabalho que fazia junto ao projeto.
A partir daí, um grupo de pessoas resolveu abraçar a causa e, com o apoio do grupo paulista, fundaram o Projeto Acalanto Natal.
Desde então, o Acalanto Natal já realizou mais de duas mil entrevistas com pais adotivos e biológicos em busca da adoção legal, e já concluiu mais de mil processos de adoção.
O projeto também participou do II Encontro Nacional de Adoção, realizado em Itapetininga – São Paulo, no ano de 1997, e, em 1999, sediou o IV Encontro Nacional em Natal.
Nesse encontro, foi fundada a ANGAAD, a Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção.
Nos anos de 2013 a 2016, o Projeto Acalanto Natal também auxiliou na criação dos grupos de apoio à adoção: Acalanto Fortaleza, Acalanto Sergipe, Acalanto Brejo Santo, Acalanto Rondônia e o AME – Grupo de Apoio a Adoção de São Luiz, dando suporte e orientação para que os grupos iniciassem as suas atividades.
Acalanto Natal
Para saber mais sobre a organização, a equipe do Jor.Mais entrou em contato com o Acalanto por Whatsapp e conseguiu uma entrevista com Marcelo de Cristo, atual presidente da associação em Natal.
Jor.Mais: O Acalanto atua há quase 30 anos em Natal. Como você conheceu o projeto e o que te fez querer participar?
Marcelo de Cristo: Vem de meados dos anos 2000 quando lecionava no SENAC-RN. Uma colega de trabalho e seus pais eram voluntários e sempre divulgavam as ações do Acalanto entre os professores e estudantes. Como eu, outros colegas dessa época sentiram que podiam contribuir com algo e se envolveram voluntariamente com uma ou outra ação de arrecadação de fundos para o Acalanto, como o Chá, o São João ou a Caminhada da Adoção… Lembro que a minha primeira festa como voluntário foi um São João no Clube Albatroz (risos). O clima entre os voluntários era (e ainda é) contagiante, mas no princípio eu apenas participava de ações pontuais aqui e acolá – muitos começam assim.
Jor.Mais: Há quanto tempo trabalha lá?
Marcelo de Cristo: Apesar das ações pontuais que acabei de citar e depois de um tempo morando em Recife – época em que também me tornei pai pela via da adoção – costumo dizer que comecei a trabalhar verdadeiramente apenas em 2016, quando decidi tornar o trabalho voluntário no Acalanto parte integrante da minha vida, algo sem o qual não conseguiria mais viver.
Jor.Mais: O que o Acalanto significa para você hoje?
Marcelo de Cristo: O Acalanto é ao mesmo tempo uma escola e um instrumento. É lá onde eu aprendo todos os dias: a ter empatia e a compreender a enorme variedade dos dramas humanos, a ser paciente com o tempo de cada voluntário, especialmente agora na presidência. Aprendo os meus próprios limites, e nos nossos encontros, aprendo a ser um pai, um filho, um marido melhor. É na escola do Acalanto que aprendo a buscar a felicidade possível. Ele é também um instrumento que utilizo para intervir no mundo. Cada um de nós tem, no fundo, ao menos uma utopia. No Acalanto, trabalhamos todos os dias para que a cultura da adoção e do afeto faça parte de cada família, de forma que toda criança e adolescente possa sempre se desenvolver num ambiente familiar harmonioso; é um instrumento de transformação da sociedade para melhor.
Jor.Mais: O Acalanto é uma organização sem fins lucrativos que conta inteiramente com o apoio dos voluntários e sócios para funcionar. Descreva um pouco desse sistema, por favor.
Marcelo de Cristo: Claro. Apesar da longa caminhada em defesa da criança, do adolescente e de todos os tipos de família que tenham por base o afeto, o Acalanto nunca se voltou para a captação de recursos oriundos de órgãos públicos ou privados. Conversando com os antigos presidentes, compreendi que a priorização total das ações, o trabalho mão-na-massa, o atendimento às crianças e às famílias adotivas e também aos pretendentes à adoção sempre acabavam tomando todo o tempo dos voluntários, fossem da gestão ou não. Na verdade, a grande maioria cumpre um ciclo maior ou menor de serviço: muitas vezes as circunstâncias da vida mudam do dia pra noite e termina que aquele tempo que eles achavam que dispunham não existe mais, entre outros motivos. Apenas um pequeno percentual dos que entram a cada ano acaba incorporando o voluntariado na sua vida de forma estruturante, como eu e tantos outros. Os sócios são os indivíduos ou empresas que periodicamente, à critério de cada um, contribuem financeiramente para o funcionamento do Acalanto. Juntamente com os eventos de arrecadação de fundos, são a nossa fonte de renda. Com ela, pagamos nossas contas, mas em épocas de crise, como agora, isso acaba nos afetando profundamente. Estamos planejando algumas ações e campanhas até o final do ano para que possamos continuar funcionando. É sempre muito desafiador.
Jor.Mais: O Rio Grande do Norte possui uma quantidade de 231 crianças acolhidas atualmente. Qual é a influência do Acalanto nesse percentual? Quais são as mudanças que a Organização trouxe para o estado?
Marcelo de Cristo: Primeiramente, é importante compreendermos que nem toda criança em situação de acolhimento está disponível para a adoção. A missão institucional do Acalanto é a de atuar junto à sociedade e aos órgãos da rede de proteção na prevenção e retirada de crianças e adolescentes das situações de risco, buscando a garantia à convivência familiar e comunitária e o melhor interesse da criança e do adolescente, promovendo a cultura da adoção e do afeto. Posso citar aqui dois importantes trabalhos que vimos realizando ao longo dos anos, e que vêm impactando na diminuição dos números de acolhidos: por um lado, a luta por uma melhor preparação dos pretendentes para a adoção, cujos resultados são visíveis através da ampliação do perfil médio da criança a ser adotada nos cadastros feitos no SNA, que passou para até 7 anos; por outro, o fomento às iniciativas que visam buscar famílias devidamente habilitadas no SNA para crianças e adolescentes aptos para a adoção que estão fora do perfil médio, ou seja, de crianças acima de 8 anos, adolescentes e aquelas com necessidades especiais, que chamamos de busca ativa. Cada vez mais estamos atuando em parceria com os órgãos da rede de proteção, como as instituições de acolhimentos, o Tribunal de Justiça e o Ministério Público do RN, promovendo encontros, e chamando atenção da sociedade para a promoção das mudanças necessárias.
Jor.Mais: Há um estigma na sociedade em relação às mães que decidem entregar os filhos para adoção, porém vocês também fazem esse trabalho de assistência no processo. Como se dá a orientação e o acompanhamento psicológico?
Marcelo de Cristo: A Entrega Legal é um programa que busca atender o direito das gestantes e mães de recém-nascidos a realizar, voluntariamente, a entrega do filho para adoção, após o nascimento. O Acalanto atua em parceria com a 2ª Vara da Infância e Juventude no atendimento a essas gestantes, que muitas vezes temem o contato direto com o poder público. Quando somos contactados, agendamos atendimento com nossos psicólogos voluntários para analisar e acompanhar com cuidado e sensibilidade a situação, de modo a levar a gestante a refletir e tomar uma decisão segura, seja pela adoção do próprio filho ou pela entrega legal. Seja qual for a decisão, sempre haverá uma adoção, se considerarmos o seu sentido mais amplo.
Jor.Mais: Durante a pandemia da COVID-19 o Acalanto teve que interromper suas atividades, continuando apenas no formato remoto. Como está sendo a volta ao presencial? Estão tendo dificuldades para se adaptar?
Marcelo de Cristo: A pandemia nos afetou de forma bastante dura. Por dois anos ficamos impedidos de realizar atendimentos e encontros presenciais, as ações nas instituições de acolhimento foram suspensas por um bom tempo, mas aos poucos fomos nos adaptando ao formato remoto. Financeiramente, tivemos um grande abalo, pois não pudemos contar com os eventos presenciais de arrecadação de fundos que faziam a máquina do Acalanto girar de forma saudável. Muitos sócios-doadores também reduziram ou suspenderam suas contribuições. Assim, fomos obrigados a reduzir despesas e cortar custos. Na verdade, a sede do Acalanto ainda não voltou a funcionar presencialmente, por não podermos arcar com os custos de manutenção, que são bem altos. Estamos tentando não terminar o ano no vermelho, buscando novas ideias para o segundo semestre, tentando ver se conseguimos retomar o Chá Amigos do Acalanto, e queremos lançar uma campanha de financiamento coletivo. Como legado positivo, o formato remoto permitiu que pela primeira vez pudéssemos realizar atendimentos multiprofissionais, com voluntários dos departamentos Social, Psicologia e Jurídico atendendo ao mesmo tempo na escuta às pessoas que nos procuram, o que tem resultado em retornos muito positivos na qualidade e rapidez desses atendimentos. Antes, somente após uma primeira escuta é que havia um encaminhamento para um ou mais departamentos, a depender da demanda. Agora ficou bem melhor na opinião de todos, e isso a pandemia nos ensinou.
Jor.Mais: O que você diria para alguém que deseja se tornar voluntário no Acalanto? Quais são os procedimentos necessários?
Marcelo de Cristo: Diria que é uma experiência transformadora, independentemente do tempo que se permanece. Realizamos anualmente duas formações de novos voluntários, uma a cada semestre. E sempre divulgamos essas formações nas nossas redes sociais, juntamente com link para inscrição e informações para pagamento da taxa simbólica para que possamos arcar com os custos dos materiais. A única restrição é ser maior de 18 anos.