Morte, mudança de sexo ou expatriação: as únicas opções para quem é gay no Irã
A identidade de homossexuais é totalmente negada pelo governo extremista; entenda o que isso pode causar à saúde mental
Mani é um homem iraniano na faixa dos 30 anos que fugiu do seu país natal em 2016. Ele sofreu humilhação e assédio por ser homossexual. A chamada “polícia da moral” já o deteve para cortar seu cabelo, que era considerado inadequado para a população masculina, já o condenou a castigos físicos e até o impôs a tratamento hormonal. Em entrevista ao podcast “Hoy en El País”, cujo episódio saiu no começo de outubro deste ano, Mani explica que o governo do Irã instituiu, como única alternativa para ser gay no país, a mudança de sexo.
Segundo um relatório de 2020 da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (ILGA World, na sigla em inglês), 69 países ainda criminalizam atividades sexuais entre pessoas do mesmo sexo. O Irã é um deles.
Teocracia
Em 1979, foi instituída a Revolução Islâmica no país, que desde então é controlado pelos aiatolás, líderes religiosos islâmicos. O país asiático portanto é uma teocracia, ou seja, não há separação entre Estado e religião.
Um ano após a instituição desse governo, o fundador da República, o aiatolá Khomeini, emitiu uma fatwa (decreto religioso) permitindo a cirurgia de mudança de sexo. Na prática, a alternativa é até incentivada pelo governo, que chega a subsidiar a operação. Isso porque a transexualidade é considerada pelas comunidades religiosa e médica como um problema de saúde, para o qual se busca a cura com o tratamento hormonal e a cirurgia.
Um documento da organização United Against Nuclear Iran (UANI) descreve que as forças iranianas “tiram pessoas gays do armário” ao dispensá-las do serviço militar obrigatório. Pela sua orientação sexual, é considerado pelo governo que eles não estariam aptos para o serviço. Então chegam em suas residências cartões de isenção militar, que “efetivamente tiram essas pessoas do armário como gays ou transgênero, assim deixando-as vulneráveis à violência e à discriminação”.
É o caso de Alireza Fazeli Monfared, contado por reportagem da CNN. O homem de 20 anos foi sequestrado e assassinado por membros da própria família em maio de 2021. A suspeita é de que familiares ficaram sabendo da orientação sexual do jovem dias antes, após a chegada da correspondência com seu cartão de isenção militar.
Pena de morte
Em setembro de 2022, o governo iraniano condenou pela primeira vez duas mulheres lésbicas à pena capital, segundo a organização não-governamental 6Rang (Rede de Iranianas Lésbicas e Transgênero). A notícia divulgada em nível internacional promoveu a criação de uma petição da All Out (ONG global LGBT), que conta com mais de 30 mil assinaturas, para pressionar o governo iraniano a libertar Zahra Sadighi Hamedani (mais conhecida como Sareh) e Elham Choudbar.
De acordo com a notícia da 6Rang, “a verdadeira razão da prisão e acusação das duas é o fato de que elas falaram publicamente sobre seu estilo de vida, e Sareh era uma membro da comunidade LGBT declarada, advogando por direitos, dignidade e respeito”.
Anulação de si
A psicóloga clínica Helena Oliveira, especialista em Avaliação Psicológica e pesquisadora da área de gênero e sexualidade na UFRN, diz que passar por esse tipo de repressão é extremamente danoso para o processo de saúde mental de uma pessoa, o que pode desencadear inúmeros transtornos. “Há uma anulação da identidade desse sujeito, no sentido de anular quem ele é enquanto existência, e também no sentido literal, com a possibilidade de anulação da vida desse corpo, desse ser no mundo”, explica.
A psicóloga diz ainda que o adoecimento pode proporcionar um ambiente favorável às ideações suicidas. “[Só ter essas duas opções] provoca uma anulação das possibilidades de existência, então o suicídio se torna uma possibilidade palpável e talvez a possibilidade mais interessante ou menos dolorosa para aquele sujeito”, afirma.
Além disso, outras consequências podem fazer parte da vida desses iranianos. Helena cita, entre eles, problemas de autoestima, de relação com os outros, o acionamento de mecanismos de defesa que podem ser reativos e violentos. Essa repressão constante pode ainda gerar violência em massa, surtos psicóticos e o desenvolvimento de inúmeros transtornos mentais. Cada caso individualmente, ela explica, tem suas especificidades.
Mani, o personagem que abre a reportagem, está em tratamento hoje por depressão. Ele é um refugiado na Espanha desde o ano passado. Abandonou o tratamento hormonal que lhe foi imposto no Irã, mas afirma continuar com sequelas profundas.