Pesquisadores da UFRN desenvolvem solução para tratamento da Doença de Chagas

por , publicado em 28.out.22

Objetivo é consolidar uma alternativa terapêutica para enfermidade que afeta entre 6 e 8 milhões de pessoas nas Américas

Por Leilany Oliveira e Duda Félix

Mesmo 113 anos após sua descoberta, a Doença de Chagas ainda está longe de ser controlada e erradicada. Transmitida pelas fezes do inseto conhecido popularmente como “barbeiro”, contaminadas pelo protozoário Trypanosoma cruzi, a enfermidade afeta aproximadamente 6 milhões de pessoas no mundo, principalmente as de baixa renda. Com o objetivo de promover um tratamento alternativo para essa doença negligenciada, o projeto financiado pelo Núcleo de Pesquisa em alimentos e medicamentos (Nuplam/UFRN) estuda o desenvolvimento de um fármaco que consolide a produção de um novo medicamento.

Atualmente, a pesquisa está no processo de desenvolvimento, a molécula de nome IVS-320 é uma nova substância química ativa, da classe das Naftoquinonas.  O Coordenador do projeto e professor do Departamento de Farmácia da UFRN, Ádley Lima, explica que a equipe de pesquisadores desenvolveu três processos científicos para encontrar o sistema de melhor performance e incorporá-lo em uma formulação farmacêutica sólida em forma de comprimido.

Dr. Ádley Lima, Coordenador da pesquisa – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

“Desenvolvemos três sistemas de liberação poliméricos, através de processos de complexação, dispersão e microencapsulação, a fim de melhorar os aspectos físico-químicos e de atividade. Os procedimentos estão em fase de ensaios in vitro e posteriores estudos in vivo”, esclarece o professor.

A molécula sintética usada para o desenvolvimento do fármaco é produzida no laboratório farmacêutico da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma cooperação essencial para o desenvolvimento do projeto.  “Nós temos uma parceria de longa data com o Prof. Dr. Vitor Ferreira e sua equipe científica. O processo de  síntese da molécula é feita na UFF e, posteriormente, nosso grupo Inofarm da UFRN caracteriza, desenvolve os sistemas de liberação e realiza os testes necessários”, informa Ádley.

Ele conta que já trabalha há muitos anos no estudo da Doença de Chagas, tema relacionado às suas teses de Mestrado e Doutorado, em que avaliou a eficácia do Benznidazol, único medicamento utilizado para tratar a doença no Brasil. Esse é fornecido gratuitamente pelo Ministério da Saúde, promovendo resultados significativos na fase aguda, apesar de não ser tão eficaz na fase crônica ao apresentar algumas limitações e efeitos colaterais nos pacientes.

O grupo de pesquisa Inofarm, da UFRN, atua principalmente no LEFI, Laboratório Escola de Farmácia Industrial,  local onde toda a pesquisa foi realizada – Foto: Grupo Inofarm

“O Benznidazol possui muitos efeitos colaterais, como intolerância gástrica, erupções cutâneas ou problemas neuromusculares. Devido à falta de investimentos em pesquisa pela indústria farmacêutica, ele ainda é um dos ativos mais utilizados, por isso estamos neste processo de desenvolvimento de um novo fármaco, utilizando a nova naftoquinona como composto, que consolide a produção do medicamento em forma de comprimido, tornando-se um tratamento alternativo”, explica o coordenador da pesquisa.

No entanto, o processo de desenvolvimento de um medicamento é complexo e exige muito tempo para a sua produção, regulação e comercialização. A Doutoranda e bolsista do projeto, Verônica Oliveira explica: “Conseguimos avançar bastante, mas para chegarmos ao resultado final, ainda temos um longo caminho a percorrer. As moléculas já estão sendo trabalhadas e o seu desenvolvimento está bem consolidado, o processo de encapsulamento do ativo também está consistente. Atualmente, estamos realizando testes de performance que têm demonstrado resultados promissores destas fórmulas que estamos desenvolvendo”.

Dr. Ádley Lima e Dra. Verônica Oliveira, pesquisadores do projeto  –  Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Todas as etapas mencionadas renderam a publicação de artigos e desencadearam um estudo sobre a SARS COVID-19, posteriormente publicadas como capítulo de livro. “Testamos a nova molécula e nossos sistemas de liberação em células, in vitro, frente ao SARS-COV-2 e os resultados foram bastante promissores. Apresentamos parte destes resultados em um congresso nacional e obtivemos o primeiro lugar de melhor trabalho científico. Um artigo mais completo, com estes resultados, está submetido e sendo avaliado em uma das revistas internacionais mais importantes da área da Farmácia”, explica Àdley Lima.

O esperado pelos pesquisadores é que todas as informações e procedimentos obtidos durante a pesquisa sejam armazenados, catalogados e publicados em revistas científicas para formar uma base de dados que consolide, futuramente, a produção de uma nova alternativa farmacêutica para o tratamento da Doença de Chagas.

Transmissão, riscos e tratamento

Embora não seja amplamente conhecida como a Malária e a Tuberculose, a Doença de Chagas é a 4º maior causa de morte por doenças infecto-parasitárias e atinge aproximadamente 7 milhões de pessoas em todo o mundo e cerca de 40.000 novos casos, com 10.000 mortes, a cada ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

A enfermidade apresenta duas fases clínicas: aguda e crônica. Durante a fase aguda o paciente pode apresentar sintomas de febre, mal estar, falta de apetite, edemas (inchaço) localizados na pálpebra ou em outras partes do corpo, aumento do baço e do fígado e distúrbios cardíacos. Em crianças, caso não seja tratada, a doença pode se agravar e levar à morte.  A fase crônica se apresenta diferente, em algumas pessoas ela pode ser assintomática, mesmo com a presença do parasita no corpo. Na forma sintomática  ocorre a evolução dos sintomas iniciais, a maioria das pessoas sofre danos cardíacos, frequentemente resultando em morte súbita ou insuficiência cardíaca.

Edemas pelo corpo são sintomas da doença – Foto : Dna Center /reprodução

Outro dado importante apresenta o perfil das pessoas afetadas e revela que principalmente as populações de baixa renda são afetadas pela doença. Sobre esse fator, o Professor explica que os investimentos e o interesse por parte da indústria farmacêutica são reduzidos, e que isso impacta diretamente no surgimento de novas alternativas terapêuticas para a doença. Apesar desse fator, as Universidades estão pesquisando novas moléculas e fármacos há vários anos, na busca de medicamentos que possam ser eficazes e seguros para combater esta doença.

“Infelizmente, as pessoas mais pobres, que não têm saneamento básico e vivem em condições inadequadas de saúde são os principais alvos da doença. Esse fato deveria estimular os governos e as indústrias a investirem muito mais em pesquisa na área, visando melhorar a qualidade de vida dessas pessoas”, adverte o professor.

Avanço no estudo sobre as doenças negligenciadas

Para que essa pesquisa fosse realizada, ela teve apoio e fomento do edital Nº 03/2018 do Nuplam,  que contemplou quatro projetos relacionados à inovação e formulação em medicamentos, desenvolvimento de métodos analíticos e o aprimoramento de processos produtivos de medicamentos ligados a doenças negligenciadas.

“A parceria com a indústria farmacêutica é muito importante, pois caso ocorra o desenvolvimento do medicamento após a finalização da pesquisa, poderá haver uma produção em larga escala que atingirá centenas de pessoas em situação de vulnerabilidade social que não possuem condições de realizarem o tratamento adequado”, ressalta Ádley.

O Gerente de Ensino, Pesquisa, Inovação e Extensão do Nuplam, Fernando Nogueira, explica que a promoção de editais de Pesquisa e Desenvolvimento são essenciais para o avanço da indústria farmacêutica. “A importância deste edital é ter uma fonte alternativa de financiamento da pesquisa científica na UFRN. É essencial que o Nuplam financie projetos que sejam do seu interesse, para que ocorra a possibilidade de oferecer os produtos destas pesquisas para o Ministério da Saúde e as empresas parceiras”, destaca.