Mulheres trans apostam em carreira política em defesa de povos historicamente oprimidos 

por , publicado em 29.out.22

Erika Hilton se elegeu deputada federal com mais de 250 mil votos e esteve entre as dez candidatas mais votadas do estado de São Paulo

Por Leandro Juvino, Luan Conceição e Ramon Soares

Erika Hilton
Somando mais de 250 mil votos, Hilton conquistou sua vaga no Congresso (Foto: Marcus Steinmeyer/Beleza LGBeauTé).

“Minha sensação é de missão cumprida, iremos pisar em Brasília, no congresso Nacional“, afirma Rochelly Barros sobre a eleição de Erika Hilton ao cargo de deputada federal do estado de São Paulo. Somando mais de 250 mil votos, Hilton conquistou sua vaga no Congresso Nacional. 

Expulsa de casa pela própria mãe ainda jovem, a paulista foi obrigada a viver da prostituição pelas ruas da maior capital do país. Em entrevista ao Portal Terra, sobre a transfobia enraizada vivida, Erika afirmou que entendeu rapidamente o que estava acontecendo:

“Era um projeto de desumanização, de empobrecimento e vulnerabilização dos nossos corpos. Era doloroso demais estar na rua, jovem, sozinha, e tendo que lidar com todos os dilemas que a noite impunha ao meu corpo. Normaliza a violência porque achava que era a única saída.”

Passos na política

A carreira política da atual vereadora de São Paulo foi iniciada ainda em 2015, quando, contra uma empresa privada, mobilizou uma ação sobre os direitos de identidade às pessoas trans. À época, a empresa recusou-se a imprimir seu nome social na passagem. 

Após ganhar o caso e repercussão, Hilton passou a ser convidada para palestras e discussões em espaços de educação. Então, a partir de seus ideais políticos, em 2016, foi convidada a se filiar ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). 

Apesar de ter tentado eleição como vereadora em 2016, apenas em 2018 a futura deputada conseguiu uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo. A candidatura era coletiva e representada oficialmente por Mônica Seixas. 

Em 2020, deixando o então atual mandato, lançou sua candidatura para vereadora em São Paulo. Apesar das dificuldades enfrentadas, Hilton conquistou mais de 50 mil votos e alcançou outras posições históricas: foi a vereadora mais votada do país e a primeira mulher trans a ocupar uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo. 

Representatividade

Rochelly Eleonora Silva de Barros, natalense de 27 anos, formada em Direito pela Universidade Potiguar (UnP), pós-graduada em Direito Constitucional e estudante de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, celebra a eleição de todas as mulheres eleitas, mas salienta que ainda há muito a ser mudado. “Temos muito chão para enfrentar para garantia de direitos e de ocuparmos, no mínimo, 50% de todas as cadeiras legislativas e executivas no país”, afirma Rochelly. 

Rochelly Barros
“Tento fazer a diferença em nossa sociedade”, conta Rochelly Barros.

A advogada, ainda, espera que a ocupação política de pessoas trans traga visibilidade à comunidade. “A hora é agora para que nossos direitos sejam implementados e respeitados”, ressalta, destacando que a comunidade trans tem direitos e pode atuar profissionalmente em todas as camadas da sociedade.

Às meninas que sonham adentrar em uma carreira política, Rochelly deseja coragem, força, perseverança e muita certeza de suas personalidade. “Um dos primeiros atos que acontecem quando uma pessoa, principalmente mulher que adentra na política partidária para ser candidata, é passar um grande abalo pela nova realidade na sua personalidade, que foi construída a duras penas, violências e sofrimento e não pode ser corrompida ou ofuscada pela baixeza, corrupta, fajuta e patriarcal política republicana brasileira”, completa a estudante. 

Votando, sendo quem é, em quem é o que é

Apesar das conquistas alcançadas pela comunidade transexual no Brasil, muitos empasses ainda são enfrentados por quem, por exemplo, tenta votar com o próprio nome. O nome social, como é definido o verdadeiro nome de pessoas trans, é o modo pelo qual pessoas transexuais desejam e devem ser identificadas. 

Muitos e muitas integrantes da comunidade não sabem, mas é um direito assegurado em todo o território nacional. O decreto de N° 8727, divulgado pela Secretaria Geral da Presidência da República durante o mandato da presidenta Dilma, determina que o nome social é a “designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida”.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2018, 7.945 eleitoras e eleitores brasileiros fizeram uso do nome social nos momentos de votação. Ainda de acordo com o TSE, em 2022, o número de votantes utilizando o nome social atingiu a marca de mais de 29 mil. Em um cenário estadual, quando o levantamento é feito no Rio Grande do Norte, 699 pessoas podem efetuar seu direito de voto com o nome social. Em 2018, apenas 183 pessoas votaram nessa situação.

“Precisamos ter consciência”

Rochelly acredita que um dos próximos passos da sociedade, a partir de agora, é ter consciência. “Principalmente a de classe”, afirma. A natalense ainda salienta o fato de que as mulheres somam mais de 52% do eleitorado brasileiro e não votam em outras mulheres para posições políticas. “Somos tratadas como laranjas”, complementa.

Citando um recente episódio da política brasileira, Rochelly relembrou o caso que aconteceu com Lourdes Melo, candidata a governadora do Piauí. No momento, em um debate transmitido pela televisão, a candidata questiona o apresentador: “Ah, você quer me calar?”. Para Rochelly, o questionamento atravessa o âmbito da dúvida e acerta o ponto de exclamação. “Não é só no debate da TV, acontece desde a educação infantil, fundamental, ensino médio, ensino superior nas faculdades e universidades, no campo profissional e, via de regra, a política partidária não fica de fora, pois é um ambiente extremamente patriarcal e hostil para as mulheres”, disse Rochelly.

Por fim, a advogada salienta a necessidade de senso e consciência crítica ao povo brasileiro, pois, para ela, “esse é o terceiro pilar para que mais espaços sejam conquistados”. “Devemos sempre indagar e, se não concordarmos, criticar veementemente. Isso nos engrandece e prova que a liberdade é um direito que ainda existe e é suscetível de ser exercido”, completa.