Luzia Dantas: arte sacra e cotidiano sertanejo em exposição no Museu Câmara Cascudo

por , publicado em 01.dez.22

Trabalho da artista seridoense foi uma das atrações da Primavera dos Museus no MCC e permanece aberta a visitação por tempo indeterminado

Por Rebeca Oliveira

Luzia Dantas esculpindo imagem religiosa – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN

Durante a Primavera dos Museus, que aconteceu entre 19 e 25 de setembro, foi lançada ao público potiguar uma nova exposição no Museu Câmara Cascudo sobre Luzia Dantas. Ao todo são 25 peças, talhadas em Imburana com temáticas sacras e profanas, trabalhos que representam a devoção católica do povo nordestino, além do cotidiano do sertanejo, sendo uma das mais antigas coleções preservadas no museu, iniciada ainda nos anos 60, com o reconhecimento da sua arte por Veríssimo de Melo e Câmara Cascudo. 

O Instituto de Antropologia, atual Museu Câmara Cascudo, foi criado em 1960 com a missão de promover e divulgar estudos sobre o homem em seus diversos aspectos físicos e culturais do território norte-rio-riograndense. Dessa forma, no intuito de montar um museu de Cultura Popular, buscou tudo aquilo que os homens produzem desde a execução de suas tarefas profissionais ou domésticas, práticas religiosas e atividades lúdicas até a arte popular, como é o caso das peças de Luzia Dantas. 

Neste sentido, foi inevitável pesquisar e adquirir peças de Luzia Dantas, que já na década de 60 do século XX despontava como grande expoente da arte popular no Estado, como explica Jailma Medeiros, Chefe do Setor de Etnologia do Museu Câmara Cascudo. “A arte de Luzia Dantas é primorosa e rica em detalhes. A artista é um dos maiores nomes do Estado na sua área de atuação e tornou- se uma forte representante da mulher na arte popular do Brasil. Ter as obras de Luiza Dantas em nossa Instituição enriquece as possibilidades do acesso da população à arte potiguar, seja para apreciação e/ou para pesquisa”, diz.

Arte sacra e cotidiano sertanejo

O curador da exposição e diretor do Museu, Professor Everardo Ramos, informa na curadoria que as peças em exposição somam todas as obras de Luzia que pertencem ao MCC. “A coleção constituída desde a década de 1960, permite conhecer a arte da escultora potiguar em toda a sua plenitude, dando a admirar seu talento extraordinário para transformar a madeira em obras de grande sensibilidade e detalhamento, que reproduzem diferentes temas com o mesmo sentido de equilíbrio, harmonia e beleza”, explica.

Trabalho de Luzia foi atração na Primavera dos Museus do MCC- Foto: Rebeca Oliveira

Entre os trabalhos em exposição, pode-se destacar “Mula com Barris” (1962), “Vaqueiro com boi” (1963), “Casa de farinha” (1965) e “Construção de açude” (1965), que retratam na madeira o cotidiano do sertanejo, assunto recorrente em sua obra. “Os temas mais comuns eram tipos regionais e cenas do cotidiano, como por exemplo, vaqueiros, vaquejadas, retirantes, animais, engenhos, casas de farinha, casamento, primeira comunhão e pessoas pilando. A temática do sagrado também era muito forte na sua trajetória e se tornou sua preferida. Dentre os mais produzidos, estão Nossa Senhora da Conceição, Santana, São Francisco e São José. Nesta mesma linha religiosa, produziu diversos ex-votos”, explica Jailma Medeiros. 

Luzia Dantas esculpia em madeira e na maioria das vezes utilizava a imburana. Também fazia uso do couro e metal para os detalhes das obras.

O “Presépio” de Luzia Dantas, de 19 representa a devoção do povo seridoense. – Foto: Cícero Oliveira/Agecom/UFRN

Destaque de Luzia Dantas no artesanato potiguar

Luiza é considerada por muitos especialistas como a escultora de santos mais importante do estado. “Embora os artistas populares de escultura em madeira do Rio Grande do Norte trabalhem de forma independente, a arte de Luzia Dantas influenciou gerações. Diversos escritores de vulto nacional destacaram a artista , como Câmara Cascudo, Veríssimo de Melo, Raul Lody e Leila Frota, por exemplo, destaca a Chefe do Setor de Etnologia do Museu Câmara Cascudo. 

Jailma lembra ainda que Luzia Dantas era contemplada com o Registro do Patrimônio Vivo (RPV), uma lei criada no RN para proteger artistas populares, mestres do folclore para que, recebendo uma bolsa financeira do Estado, possa repassar seus saberes e conhecimentos à nova geração.

Entre os grandes mestres do artesanato, como Xico Santeiro, Gregório Santeiro e tantos outros, Luzia ainda é a principal referência feminina no assunto.

“Construção de açude” (1965) retrata o cotidiano da artista no Seridó Potiguar – Foto Cícero Oliveira/Agecom/UFRN

Luzia Dantas

Luzia nasceu em 1937 no sítio Rio Cachoeira, no município seridoense de São Vicente. Foi ali que deu os primeiros passos na arte de esculpir. Quando criança, começou a produzir seus próprios brinquedos, como cachorros, gatos e coelhos. Aos poucos, começaram as encomendas da vizinhança, quando a brincadeira de criança tornou-se trabalho. Mudou-se para Currais Novos ainda jovem, e não demorou muito para suas peças ganharem fama nacional e internacional, chegando  a Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Estados Unidos, Portugal… 

Luzia faleceu em 12 de fevereiro de 2022, aos 84 anos, em Currais Novos. Atualmente, Suas esculturas de madeira estão espalhadas por toda parte e podem ser vistas em museus, galerias e em casas de colecionadores brasileiros e estrangeiros.

Museu Câmara Cascudo

A história do Museu Câmara Cascudo começou a ser construída em meados de 1950, quando o acervo começou a ser criado, ainda na época do Instituto de Antropologia. Os primeiros materiais são resultado das primeiras pesquisas arqueológicas do professor Nássaro Nasser e Elizabeth Cabral em parceria com o Programa Nacional de Pesquisa Arqueológica, o PRONAPA, e posteriormente complementado pelo professor Tom Miller. Ao longo do tempo, o acervo do Museu Câmara Cascudo foi enriquecido tanto por material encontrado em novas pesquisas, quanto por doações.

Graças ao trabalho desses pesquisadores e pesquisadoras, o Museu Câmara Cascudo guarda mais de 150 mil bens representativos da atividade humana do passado, principalmente no atual território do Rio Grande do Norte, sendo o mais extenso e importante acervo arqueológico do estado.

Hoje, o MCC é considerado o maior museu do Rio Grande do Norte, bem como um dos mais importantes museus universitários brasileiros, tanto pelas atividades que desenvolve, quanto pelo acervo que conserva.