Projeto foca na atenção multiprofissional para trabalhadores rurais no interior do RN
A iniciativa pretende atender pelo menos 20 famílias da agricultura familiar integrando as áreas de Fisioterapia, Nutrição e Psicologia
Saindo do campo da sala de aula e levantando o caráter extensionista da Universidade, projeto da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (Facisa/UFRN) busca construir soluções que possam auxiliar no bem-estar dos trabalhadores do campo na região do Trairi Potiguar. Segundo pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), com base em dados da PNAD Contínua, o Brasil conta hoje com mais de 18 milhões de trabalhadores rurais. Dentro desse número, estão cerca de 20 famílias em um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em Santa Cruz, a 122,1 km de Natal, onde o projeto vai realizar a maior parte de suas atividades.
Para colaborar com o alcance de resultados, a iniciativa reúne parcerias internas na Facisa e com o Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (EMATER), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e o Serviço de Apoio aos Projetos alternativos Comunitários (SEAPAC). Além de docentes, colaboram na equipe 30 alunos dos cursos de Nutrição, Psicologia e Fisioterapia. Até o momento, foram mapeados os municípios de Santa Cruz, Lajes Pintadas e Tangará.
A professora Fernanda Fernandes Gurgel, do curso de Psicologia e coordenadora adjunta do projeto, afirma que uma das maiores expectativas é realizar um trabalho que dialogue com as necessidades de cada comunidade. Em outras palavras, os trabalhadores serão ouvidos sobre suas principais demandas e não colocados como agentes secundários.
“Acredito que as pessoas tenham dúvidas como quais questões de saúde mental acometem pessoas no trabalho, além de projetos e políticas públicas que não acessam por desconhecer, ou conhecem, mas não conseguem acessar”, esclarece.
Por meio do contato com alguns trabalhadores das comunidades diagnosticadas, continua explicando, a equipe percebeu que as condições enfrentadas são muito particulares ao eixo da agricultura familiar. Dentre elas, destacam-se a exposição ao sol e ao agrotóxico, escassez de recursos hídricos e dificuldades de acesso a ferramentas de trabalho. Aliado aos debates, nesse sentido, o projeto também pretende ampliar o acesso a direitos pelos trabalhadores rurais mediante a organização da classe em cooperativas e outras formas de assistência.
Desafios e formas de resistência
Cleoneide Alves, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santa Cruz, explica que além do acesso aos direitos, os trabalhadores do campo também encaram barreiras para demandas simples como informações ligadas a essas garantias. Atualmente, a integrante da organização exerce o cargo de tesoureira, mas sua luta em prol das comunidades rurais não é recente. Por oito anos, ela atuou como presidente e conta como a experiência junto a projetos como o da Facisa, por parte dessas populações, é algo que foge do usual ainda que o Sindicato procure atender às demandas levantadas.
As frentes de atuação são diversas, mas no que se refere a saúde, o caminho para atender aos pedidos vem sendo organizado com apoio das comissões de saúde locais. Estas, por sua vez, são guiadas pela Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CISTT), criada em 1990 e amparada na Lei nº 8.080/1990, que regulamenta o SUS. O propósito é auxiliar conselheiros e conselheiras de saúde em pautas vinculadas ao bem estar dos trabalhadores, sejam estes do meio urbanos, do ambiente rural, ou enquadrados como aposentados e desempregados.
“Nós, enquanto Sindicato, somos conselheiros de algumas comissões de saúde aqui de Santa Cruz e solicitamos junto ao conselho uma reunião ampla para pautar questões como acesso a medicamentos, dificuldade de marcação de ficha e humanização no atendimento. Muitas vezes a gente vem da roça e as estradas também não ajudam. Isso impacta a nossa vida, que já é precária por ser um trabalho ao sol e estamos sujeitos a adquirir várias doenças”, compartilha a tesoureira.
Considerando esses aspectos, portanto, enfatiza que a principal expectativa é que o trabalho junto a Facisa fomente diálogos e auxilie na efetivação de um exercício mais consciente e seguro pelos trabalhadores rurais.
Dinâmica de atividades e aprendizagem
Do ponto de vista da aprendizagem, a iniciativa pretende levar aos estudantes uma vivência multiprofissional, integrando os alunos de todos os cursos participantes. “Esperamos trabalhar cada vez mais em conjunto, que os nossos alunos aprendam também sobre esse trabalho interdisciplinar. Então, que os alunos da psicologia não olhem apenas para a questão saúde mental, mas que percebam como isso tem a ver com outros aspectos físicos, ergonômicos e alimentares”, ressalta Fernanda Fernandes Gurgel.
Entre os estudantes, está Érica Sales, de 20 anos, graduanda do 6º período de Fisioterapia. Ainda durante o ensino médio, quando cursou Segurança do Trabalho pelo (IFPB), ela conta que sua paixão pelo tema da saúde do trabalhador foi despertada. Hoje, já no nível superior, o sentimento permanece e a motiva a participar de projetos como o da Facisa. “Lidar com a saúde do trabalhador, ao contrário do que muitos pensam, está muito além do que ’só’ adequar o serviço laboral ao trabalho. A saúde do trabalhador é a arte de cuidar dos que muitas vezes não têm voz e zelar pelo bem estar físico de cada um deles”, finaliza.
Pensando nessas particularidades, assim como nos outros eixos do projeto, as atividades serão pensadas conforme o ritmo dos trabalhadores rurais, de modo que dialoguem com os dias que a população tenha disponibilidade para participar. “No momento, estamos estruturando. Mas no futuro talvez a gente tenha uma sistemática de oficinas, encontros, elaboração e produção de material didático”, destaca Fernanda Fernandes Gurgel. Ainda, de acordo com Dimitri Taurino Guedes, um dos principais materiais a serem pensados é um documentário gravado em um acampamento do MST.