Cinemas populares dentro da cena
Projetos buscam romper a centralização do audiovisual em Natal por meio do levante de memórias e promoção de cineclubes
Por Camila Lustosa, Brenda Fonseca, Karen Sousa, Kayllani Lima Silva, Maria Luiza Figueiredo, Raylena Evelyn e Rudson Mendes
No cenário cultural de Natal, a falta de cinemas populares ainda marca e impede a descentralização do campo audiovisual. Seja pela falta de incentivos públicos, ou iniciativas com foco na popularização, espaços como shoppings centers seguem concentrando o trabalho de divulgação e contato com as produções audiovisuais. É diante dessa realidade que o projeto Aqui já existiu um cinema se projeta com o objetivo de recuperar a atmosfera cultural do Centro Histórico de Natal a partir da defesa da instalação de cinemas em prédios abandonados dos bairros Alecrim, Ribeira e Cidade Alta.
A iniciativa surgiu a partir da união de dois trabalhos de conclusão de curso da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sendo um em Arquitetura e Urbanismo, realizado por Wire Lima, e outro em Audiovisual sob o comando de Ilany Régia e Anthony Rodrigues. Embora construídos em áreas distintas, os projetos se cruzam ao olhar para o espaço urbano de Natal e a necessidade de reerguer as suas memórias.
A arquiteta Wire Lima, de 27 anos, uma das idealizadoras do Aqui já existiu um cinema, esclarece que em Natal há uma falta de iniciativas que olham efetivamente para a rua, isto é, capazes de gerar conexões e permitir o debate coletivo após o contato das pessoas com os filmes. Para isso ocorrer, argumenta, é necessário pensar em um espaço fora da ‘prisão do shopping’.
De acordo com ela, alguns projetos já estão caminhando com esse propósito por meio de políticas públicas. A falta de incentivos privados, contudo, favorece um ritmo de desenvolvimento que ela descreve como “trabalho de formiguinha”, no qual o foco está sendo a divulgação dos cinemas que já existiram em Natal. Aliado a isso, alguns grupos voltados à promoção de cineclubes vem cumprindo papel de resistência frente ao padrão de cinemas nos shoppings.
Entre eles está o Margem Hub, na zona Sul de Natal, voltado à oferta de aulas de fotografia e transmissão de produções audiovisuais. Todas as quartas-feiras, às 19h, o projeto transmite produções audiovisuais ignoradas pela cadeia de cinemas que controla o audiovisual na capital potiguar. Em maio deste ano, por exemplo, o local foi espaço de lançamento para o filme “Luzidas”. Dirigido por Jaya Pereira e Stephanie Bittencourt, o longa foca no parto humanizado no Rio Grande do Norte.
Uma das fundadoras do projeto, Paula Lima, de 28 anos, reitera a necessidade de cinemas de ruas na capital e, mais do que isso, da divulgação de filmes nacionais e independentes fora do circuito hollywoodiano. Na visão dela, é preciso debater a acessibilidade à cultura, dado que cinemas populares podem ser o caminho para que populações mais carentes não percam o contato com o audiovisual.
Ainda, argumenta Paula, os cineclubes favorecem o debates pós-filme e a consequente formação de opiniões sobre as produções assistidas. É o que ela tem percebido, especialmente, nas sessões do Margem Hub. Dentro do espaço cultural integrado, a troca de reflexões sobre um mesmo filme tem sido cada vez mais frequente entre o público.
Para ela, nesse sentido, o projeto apresenta um importante papel na mobilização da população. Isso porque a equipe está sempre buscando diálogos junto ao público e setor cultural visando discutir a relevância de prestigiar e contribuir com ações culturais. Soma-se a isso a cobrança para que a gestão pública efetive medidas de fomento aos espaços que já realizam ações no audiovisual, bem como a criação de espaços públicos de exibição de filmes, mostras e outras ações culturais.
Fomento e ausências do poder público no audiovisual
Focando nos investimentos da Secretaria de Cultura de Natal (Secult-Funcarte), especialmente, o destaque encontra-se na seleção pública Cine Natal. Em 2022, o certame destinou R$1 milhão para o desenvolvimento de projetos audiovisuais como longa-metragem, obra seriada, curta-metragem, piloto de obra seriada e mostras. Ao todo, foram selecionadas 17 propostas vinculadas a diferentes categorias.
Entre as iniciativas contempladas estão a Novo Horizonte, Maldito Sertão e Calixto passou por aqui. Segundo a Prefeitura de Natal, além de promover o acesso da população às produções realizadas por profissionais da capital potiguar, o Cine Natal favorece o fortalecimento da indústria criativa. Segmento esse que, na visão da pasta, Natal já vem ocupando espaço de referência a partir de produções cinematográficas, seriadas, televisivas e voltadas a suportes digitais.
Em 2022, a Prefeitura de Natal divulgou que mais de 30 obras audiovisuais da capital já foram apoiadas pela gestão, alcançando 385 participações em curtas, mostras e outras exibições em TVs e premiações. Aliado a isso, os projetos estiveram presentes em 157 premiações e indicações e foram exibidos em 40 países.
Embora resultados sejam vistos no campo das políticas públicas, a Secult/Natal transparece lacunas no que concerne a projetos voltados à promoção de cinemas populares. A reportagem procurou a pasta com o propósito de compreender o que impede que investimentos sejam realizados com esse propósito, além de conseguir dados sobre os valores destinados ao setor cultural para este ano, mas não obteve retorno mesmo após inúmeras tentativas.