Cidade Alta: Passado e Presente
História e curiosidades do bairro
O bairro de Cidade Alta, situado no centro de Natal, capital do Rio Grande do Norte, foi o lugar escolhido para dar início à cidade, no ano de 1599, por ser o ponto mais alto do território recém conquistado. Neste lugar, foi instalado em primeiro lugar uma capela, uma casa de câmara, a cadeia e o pelourinho.
Os moradores desta parte da cidade, considerada a mais nobre, eram chamados de Xarias, comedores do peixe nobre, e eram rivais dos moradores da Ribeira, que eram chamados de canguleiros, comedores do peixe Cangulo, considerado de menor valor. Sobre a divisão destas duas populações, o historiador Câmara Cascudo fala em uma de suas obras que “a única via de acesso entre a Cidade Alta e a Ribeira era a ladeira íngreme, escorregando sabão depois das chuvas. Nos papéis velhos a frase comum é aterro. Tão íngreme que dividiu a cidade. Os documentos falam de duas povoações, a Ribeira e Natal, tal a dificuldade de transitar entre uma e outra.”
No centro da cidade, estão localizados os principais prédios públicos do município, como a sede do poder executivo da Capital. O Palácio Felipe Camarão, sede da prefeitura, foi construído em 1922 pelo construtor Miguel Micusi, e foi inaugurado no dia 07 de setembro deste mesmo ano, na data em que celebrava os 100 anos da independência do Brasil. Também localizado no centro, o antigo palácio do Governo e atual Pinacoteca do Estado, mantém uma história que atrai visitantes. O prédio inaugurado em 1873 é a maior expressão da arquitetura neoclássica em Natal. Considerando o mesmo espaço, ainda pode-se falar da Assembleia Legislativa, que, com a sua importância, mantém todo o foco do poder legislativo do Estado do Rio Grande do Norte.
Um lugar histórico cultural e até hoje movimentado é o Beco da Lama. Sua história remete ao tempo em que Natal era pouco povoada, assim, em um lugar próximo ao beco, as lavadeiras trabalhavam, e a lama que saia das roupas escorria pela rua e se acumulava no final da rua, daí se deu o nome do local. A partir disso, começaram a chegar os primeiros bares que atraíam boêmios, jornalistas e pessoas ligadas à cultura. Hoje, o beco não tem mais lama, mas por sua importância cultural se tornou Patrimônio Cultural da capital potiguar. Lá é um lugar de encontro, com samba, muita música e uma galeria de arte a céu aberto nas paredes e estruturas ainda próprias do antigo Beco da Lama.
Outro espaço histórico que concentrou grandes nomes da cidade foi o “Grande ponto: Café São Luiz”, lá foi lugar de encontro de jornalistas e políticos que debatiam tópicos da cidade e conviviam. Textos da época descreviam o lugar como de “intenso movimento”. O espaço fechou no ano de 2013 e nos leva ao questionamento de como vai o comércio do bairro Cidade Alta e o aproveitamento de seus vários espaços culturais.
Ascensão e esvaziamento de Cidade Alta e os impactos na cultura da cidade
Ao longo dos anos, o bairro de Cidade Alta foi se consolidando como um importante reduto negocial da cidade de Natal. No que tange aos empreendimentos comerciais formais, são 981 estabelecimentos consolidados na região, dados do SEBRAE/RN, 2010. A perspectiva é de que esse número tenha dobrado nos últimos 10 anos.
Muitas dessas lojas se instalaram entre a Av. Rio Branco e a Rua João Pessoa, atraindo um maior fluxo de pessoas, beneficiando os pequenos comércios nas adjacências. Grandes cadeias se estabeleceram por anos naquela região; redes como Magazine Luiza, Casas Bahia e lojas de departamento como Americanas e Riachuelo alteraram a personalidade do lugar. Além disso, as instituições financeiras se fizeram presentes, o que fez daquela região o maior centro de comércio da capital potiguar.
A face cultural do bairro se desenvolveu em paralelo ao fato de Cidade Alta ter prosperado como um centro comercial. Segundo dados oficiais, são 19 praças públicas e 03 equipamentos desportivos disponíveis para a população. Além disso, é lá o espaço onde ainda hoje se concentram os principais bares e restaurantes responsáveis pela comercialização de comidas e bebidas associados ao estilo de vida da boemia potiguar.
Entretanto, um fenômeno ocorre no bairro desde os anos 1970: um processo de esvaziamento têm se observado, como resposta ao crescimento dos limites urbanos consequentes da construção de conjuntos habitacionais em regiões afastadas do centro, além das políticas públicas fomentadas pelo governo para desenvolver o turismo litorâneo, e, por último, o aumento do comércio informal e do número de moradores de rua. Além disso, o desenvolvimento do parque industrial de Natal fez com que muito da circulação migrasse para as zonas mais afastadas.
Para além disso, mais recentemente, têm se observado uma inundação de discursos que fomentam uma imagem de violência urbana e atraso social, tudo isso num suposto intuito de sustentar uma lógica de privatização dos espaços públicos da cidade. Não coincidentemente, no início do século XX, tem-se a chegada dos principais shopping centers na capital potiguar, sendo tratados pela mídia como os espaços seguros para a circulação das pessoas, consequentemente afundando o comércio de rua na Cidade Alta.
Essa diminuição massiva na circulação de pessoas no centro impacta diretamente nas questões culturais de Natal como um todo. O reflexo disso é no próprio registro histórico: a experiência cultural da cidade vem à tona quase sempre a partir de uma perspectiva elitista; em contrapartida, os espaços ocupados em Cidade Alta e adjacências partem de uma vivência de pessoas mais pobres, que em geral não tinham acesso aos equipamentos de divulgação midiática. Logo, não houve uma apropriação da indústria cultural daquilo que ocorria no bairro – pelo menos não numa perspectiva não-classista.
Além disso, toda essa situação acende uma crise identitária na capital potiguar: a invasão de negócios com pouca tradição, porém com muito capital para investimento, rouba a cena dos negócios tradicionais na cidade. Desde a desidentificação com a cultura e rompimento com as tradições até a padronização e internacionalização das preferências dos habitantes de Natal em vários outros campos, como a gastronomia e os modos de vestir, o fato é que pouco dos costumes locais ainda resistem.
O resultado disso é a elevada especulação imobiliária sobre a cidade como um todo, afastando não só novos negócios, mas também toda uma possibilidade de intervenções culturais de abrangência pública, que, no fim das contas, impactam o desenvolvimento turístico da cidade. “A gente não tem muitas opções culturais gratuitas na cidade. As poucas que têm são muito distantes, ou então não oferecem segurança para o visitante. Confesso que, mesmo sendo morador daqui, pouco sei sobre a história da cidade.”, disse José Nilton, estudante de Jornalismo da UFRN.
Além disso, há reflexos no afastamento das pessoas da capital potiguar: o último censo registrou uma queda de 6,2% na população de Natal. Enquanto isso, a vizinha João Pessoa, na Paraíba, cresceu 15%. “Hoje, indiscutivelmente, a qualidade de vida lá (em João Pessoa) é bem melhor! Geograficamente, Natal é bem mais privilegiada, mas com gestões horrorosas, não dá pra fazer milagre.”, diz Marcelo Morais, morador da cidade.
“O povo está se ligando que apesar de linda e rica em história, Natal não oferece bons empregos e boa segurança, e, talvez por isso, (as pessoas) estão indo embora.”, declara Henrique Araújo, criador de conteúdo digital e morador da capital potiguar.
Revitalização e valorização cultural
Se por um lado, recentemente tem se observado um esvaziamento do comércio em Cidade Alta, por outro, algumas iniciativas têm visado melhorar a mobilidade nas ruas e fortalecer as atividades culturais no bairro. Ações como a revitalização do Beco da Lama e do Espaço Ruy Pereira e a construção de ciclovias na Rio Branco, são alguns dos exemplos de obras que vêm sendo realizadas pela prefeitura nos últimos anos com esse objetivo. Mas não são as únicas.
Em março deste ano, a prefeitura de Natal junto com a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) anunciou um projeto de intervenção urbana na rua João Pessoa, que integra a ação de revitalização do Centro Histórico de Natal. O objetivo é trazer maior acessibilidade aos pedestres, construindo espaços de convivência e descanso para quem estiver passando pelo bairro.
A obra teve início em maio e está dividida em três etapas. Na primeira, o trecho entre as avenidas Rio Branco e Princesa Isabel foi interditado para a perfuração do solo e instalação de fiação para iluminação e de cabos de telecomunicações, que passarão a ser subterrâneos. Já a segunda etapa, focada na revitalização da rua e da Praça Padre João Maria deve começar em julho.
Para essa fase estão previstas a construção de caramanchões (cobertura arborizada) que servirá como ponto de descanso e contemplação, área de lazer e ludicidade para crianças e um palco para atrações culturais. O trecho entre a Princesa Isabel e Rio Branco será exclusivo para pedestres e tanto a via quanto a calçada serão niveladas.
Em declaração feita à Tribuna do Norte, a secretária adjunta da Semurb, Alessandra Marinho, explicou que a ideia é que a rua também funcione nos finais de semana, trazendo mais vida ao bairro.
Comerciantes locais têm se mostrado esperançosos de que o resultado dessa intervenção vai fortalecer o comércio, mas também se preocupam que até lá, o andamento da obra possa afastar ainda mais os transeuntes do bairro.
Outra iniciativa que busca fomentar a atividade cultural em Cidade Alta é a Casa Vermelha. Localizada na Rua Princesa Isabel, por trás do IFRN Cidade Alta e próximo ao Espaço Ruy Pereira e ao Beco da Lama, ela surge como um espaço de organização de movimentos sociais e coletivos culturais na cidade. Estão por trás da organização do coletivos como Kizomba, Enegrecer, CORES, Marcha Mundial de Mulheres e o Cursinho Popular Dona Militana.
Daniel Chacon, membro do GT que coordena as atividades na Casa Vermelha, conta que desde de setembro do ano passado, foram realizadas mais de 20 atividades de cunho político-cultural como o Festival Vermelho é a Cor Mais Quente, o Arraiá do Fogaréu, além de debates, seminários, mostra de filmes rodas de conversa e outros eventos festivos.
“Percebemos que criamos um referenciamento social naquela região, estabelecendo diálogo com o público presente nos eventos e também com moradores e comerciantes do entorno da casa”, comenta Daniel.
Já no último dia 13, a vereadora Brisa Bracchi e a deputada estadual Isolda Dantas, apoiadoras do projeto, realizaram no espaço uma roda de conversa chamada “Diz em que cidade você se encaixa”. O objetivo era debater sobre o passado, presente e futuro do Centro Histórico e ações que possam ajudar a valorização local.
Iniciativas como essas, tanto do poder público quanto de movimentos políticos, são importantes para o resgate deste bairro histórico, tido como berço de Natal.