Quadrilhas juninas: uma tradição que resiste
As quadrilhas são um símbolo importante da cultura Potiguar e nordestina, sendo muito populares pelas suas temáticas, danças, músicas e figurinos. As equipes ensaiam durante meses e fazem estudos profundos sobre temas que abordarão em suas apresentações. A ideia é manter viva essa importante tradição nordestina, ao mesmo tempo que leva entretenimento ao povo.
E eles dão o nome em frente ao público e aos juízes, trazendo enredos variados e danças de tirar o fôlego. A arquibancada treme com os espectadores sendo atraídos pelo ritmo do forró e baião. Os personagens clássicos das quadrilhas, são os queridinhos: a rainha, o casal de noivos, o padre, o policial e o mestre de cerimônias. Suas roupas diferentes e interpretações cômicas tiram o riso da plateia, que vai do menino, ao vovô.
Afinal, não é essa a graça do São João? Uma festa secular que une pessoas de todas as idades, estilos, gêneros, etnias e localidades. Os enredos entendem bem a importância dessa diversidade e fazem questão de trazer isto para as histórias, que falam sobre todas as formas de amor, independência feminina e igualdade racial.
As quadrilhas são uma forma de arte considerada antiquada ou bregas por alguns. Que bobagem! Estão mais atuais que nunca e assim seguirão. Mas ninguém envolvido nelas, se atreve a esquecer suas origens.
Um espetáculo em forma de quadrilha junina
Cores vibrantes, figurinos extravagantes e uma história a ser contada. As quadrilhas juninas estilizadas são figurinhas repetidas na época do São João. Com o intuito de trazer uma narrativa em formato de dança e apresentar uma obra digna de espetáculo, as quadrilhas começam seu período de planejamento meses antes do mês junino. Para quem assiste, parece algo fácil, mas para aqueles que estão presentes nos bastidores, é uma trajetória de muito suor, dedicação, estresse, ansiedade e, principalmente, amor.
Ana Karoline da Silva iniciou a vida nas quadrilhas juninas ainda pequena. Por influência da mãe, aos 12 anos, após ter ido a um ensaio, se apaixonou pela dança de forma instantânea e começou a participar de uma quadrilha tradicional do bairro em que morava. Para ela, o mês de junho sempre foi interessante. Além do aniversário da mãe ser no dia de São João, Karol sempre gostou dos arraiás e da cultura do mês junino.
Em 2017, a profissional de Educação Física deu início a sua vida nas quadrilhas estilizadas. Durante três anos seguidos, ela fez diversas apresentações pela quadrilha estilizada Junina São João, da Zona Norte de Natal. Com o período pandêmico, os festivais e consequentemente as danças ficaram suspensas, no entanto, Karol voltou a se apresentar em 2023.
Sobre dançar, ela comenta que é um sentimento muito grande e difícil de explicar. Como uma forma de libertação, os períodos de ensaios e apresentações são responsáveis por fazer com que “todos os problemas desapareçam dentro da quadra, quando olhamos para o público. É o melhor possível, é gostoso demais”.
Mas como nem tudo são flores, para chegar até o grande dia, a preparação chega a um período de até 7 meses de ensaios todos os finais de semana e que exigem grandes cuidados para que os dançarinos sejam poupados de lesões que os impeçam de irem às quadras. “Quando está próximo [das apresentações], fazemos os “madrugadões”. São bastante cansativos. Alguns até são poupados por risco de lesão. Nas apresentações, é tudo muito ensaiado, nada de falhas pode ter. Acontece, mas não deve. É tudo muito ensaiado”, relatou.
A criatividade é algo que exala durante os ensaios. Para se ter algo diferente e inovador, as equipes precisam ter coreografias certeiras e uma narrativa emocionante e encantadora. Para que isso aconteça, Karol conta que na Junina São João dois coreógrafos são responsáveis por organizar a dança. “Existe um mapa onde é feito todo o desenho e lugar dos componentes, das coreografias também. É bem interessante esse processo de construção coreográfica”, diz.
Como forma de aperfeiçoamento, durante os ensaios são feitas adaptações. A educadora física explica que no decorrer dos meses, os coreógrafos entendem que algumas partes da coreografia podem não estar encaixando, ou bem elaborada, e assim fazem as modificações necessárias. O cansaço também é um parceiro na vida dos dançarinos de quadrilha. Ana Karoline relata que conciliar a vida profissional com a paixão pela quadrilha junina requer muito esforço. “Eu trabalho à noite e nos finais de semana por escala. Era uma correria para chegar aos ensaios. Geralmente iniciava às 18h e ia até às 23h”, comenta.
Apesar dos felizes momentos durante a preparação da dança, certas insatisfações foram apontadas durante o processo. Nos festivais, a dançarina afirma certos problemas com a falta de preparação por parte da comissão julgadora. “Acho particularmente desrespeitoso com as quadrilhas, porque notoriamente muitos não são preparados para julgar quadrilha junina estilizada. Me senti várias vezes frustrada”, relatou.
Além disso, a questão financeira e a falta de um maior incentivo público são problemas para as equipes. Para os festivais, as prefeituras divulgam editais para investimentos financeiros, mas nem todas as quadrilhas são incluídas no processo. Como uma realidade frequente das equipes, aqueles que não são aprovados em editais costumam pagar um valor fixo para dançar e durante as viagens de apresentações, vaquinhas são feitas pelos membros das quadrilhas para arcar com as despesas.
“É falta de respeito do poder público. A gente movimenta a cultura do estado com milhões. Os festivais lotados, os barraqueiros vendendo, a tia da maçã do amor vendendo, tudo. Fora a movimentação das costureiras durante meses para essa festa”, finalizou.
Um legado que se inova
A quadrilha tradicional é outro tipo de festejo. Diferente das estilizadas, as “matutas” buscam uma dança mais tradicional e livre. E apesar das diferenças, as quadrilhas tradicionais continuam abrilhantando as noites juninas com animação, roupas coloridas e temas variados.
“Eu sou Matutos da Paixão, dançar é minha cura” é cantando esses versos que os quadrilheiros da “Matutos da Paixão” abrem as apresentações das noites de São João. A Junina da zona norte de Natal, comandada por Cleiton Gabriel, está no seu 3° ano de história, e aos poucos, luta e conquista o seu espaço entre as Quadrilhas Tradicionais do Rio Grande do Norte.
Em 2023, o arraiá trouxe o tema “A saga de um vaqueiro numa noite de São João” uma homenagem a cantora e compositora Rita de Cássia, dona de grandes sucessos como “A saga de Vaqueiro” “Meu Vaqueiro, Meu Peão” e muitos outros clássicos do forró nordestino. Ainda este ano, a Matutos da Paixão, conseguiu o feito de estar entre as 10 melhores, dos grupos tradicionais, no Festival de Quadrilhas Juninas da Grande Natal. “Por ser uma quadrilha pequena e sem ter boas condições de custos, sim, o resultado foi muito bom”, comenta Bruna Taysa dançarina da Matutos.
Bruna Taysa, 20, é a noiva do arraiá pelo 2° ano consecutivo. Ela participa da quadrilha desde 2022 e é apaixonada pela dança. “A dança é uma distração. Sempre fui interessada e dancei em quadrilhas. Comecei na escola, no maternal, e continuo até hoje “, comenta.
Bruna conta que precisou dividir seu tempo entre trabalhar e ir aos ensaios da quadrilha. Ela conta que quando chega do trabalho de noite só tem tempo de se arrumar e sair para 3 ou 4 apresentações por noite sem ter hora para voltar.
“Uma das maiores dificuldades para mim é o tempo. Você se prende e deixa de fazer várias coisas para se dedicar a quadrilha. Você vive pelo mundo Junino a partir do momento que você entra nele”, desabafa.
Para se preparar para a época junina os ensaios começam meses antes. A noiva comenta que a preparação é uma das partes mais cansativas. As coreografias são criadas conforme as músicas e muitos integrantes ajudam a realizá-las. Além disso, a organização requer muito tempo, desenvolvimento e dedicação. “Se você não tiver dedicação, nem tente. Vai tudo por água abaixo”, finaliza.
A noiva conta que muitas vezes precisou abdicar de compromissos para se dedicar integralmente à quadrilha. “É uma correria tão grande que se eu contar você tem pena e pede para eu desistir. Tudo que faço é por amor”, brinca e desabafa Bruna.
Mesmo com todas as dificuldades o amor pela tradição prevalece. Bruna conta que o caixa da quadrilha é praticamente zerado. Por isso, tanto ela quanto outros integrantes venderam rifas para arrecadar dinheiro. “Esse ano conseguimos passar no edital da prefeitura, mas o recurso é só ano que vem, então, esse ano foi cada um por si para comprar os figurinos e acessórios” , relembra.
O amor pelo faz é que move Bruna e tantos outros quadrilheiros pelo nordeste. A jovem destaca: “Tem o significado de amor. Amor pela dança, pela cultura e amor pelo São João” Para ela, o período junino é a época mais “gostosa” do ano. “É uma época de festa cheia de cultura que marca o povo nordestino. Espalhar amor por onde dançamos e receber carinho em troca não tem preço”, desabafa a quadrilheira.
“Falo que vou parar de dançar, mas quando tudo isso passa a gente sente saudade”, responde a dançarina que logo em seguida complementa: “Me sinto feliz por estar abrilhantando os arraiais junto com minha Junina”.